terça-feira, 31 de agosto de 2010

Rita Lee pisou na bola...



Uma vez ouvi uma das frases mais idiotas que um ser humano poderia falar e acreditar:

"Artista pode tudo."
Questionei feio esta frase, pois queria saber se o fato da pessoa ser "artista" faz dela alguém acima das leis, acima das críticas, acima do "Seu Zé" que vende pipoca na Praça 7...
Claro que não, diante de Deus e das leis, somos todos iguais, mesmo que muitas vezes isto não seja praticado realmente...
Mas hoje tive a oportunidade de ler um texto, o qual achei perfeito e colocarei aqui:

As várias fomes da Marina

Por José Bessa Freire

“Ai, meu Deus!/ O que foi que aconteceu/ Com a música popular
brasileira”?


Há pouco, Caetano Veloso  descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: “Lula é analfabeto”. Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadoraMarina da Silva, que tem diploma universitário.

Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, “porque ela tem cara de quem está com fome”

Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.

Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos embalam e nos ajudam a compreender a aventura da existência humana. Num país dominado durante cinco séculos por bacharéis cevados, roliços e enxudiosos, eles naturalizaram o canudo de papel e a banha como requisitos indispensáveis ao exercício de governar, para o qual os Silva, por
serem iletrados e subnutridos, estariam despreparados.

Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados. De um lado, reforçam a idéia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição sine qua non para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política. A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola. Feio.

“Venenosa! Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa, êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel…”.

Nenhum dos dois – nem Caetano, nem Rita – têm tutano para entender esse Brasil profundo que os silvas representam.

A senadora Marina da Silva tem mesmo cara de quem está com fome? Ou se trata de um preconceito de roqueira, que só vê desnutrição ali onde nós vemos uma beleza frágil e sofrida de Frida Kahlo, com seu cabelo amarrado em um coque, seus vestidos longos e seu inevitável xale? Talvez Rita Lee tenha razão em ver fome na cara de Marina, mas se trata de uma fome plural, cuja geografia precisa ser delineada. Se for fome, é fome de quê?

*O mapa da fome*

A primeira fome de Marina é, efetivamente, fome de comida, fome que roeu sua infância de menina seringueira, quando comeu a macaxeira que o capiroto ralou. Traz em seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nasceu com ela na colocação de Breu Velho, dentro do Seringal Bagaço, no Acre.

Órfã da mãe ainda menina, acordava de madrugada, andava quilômetros para cortar seringa, fazia roça, remava, carregava água, pescava e até caçava. Três de seus irmãos não agüentaram e acabaram aumentando o alto índice de mortalidade infantil.

Com seus 53 quilos atuais, a segunda fome de Marina é dos alimentos que, mesmo agora, com salário de senadora, não pode usufruir: carne vermelha, frutos do mar, lactose, condimentos e uma longa lista de uma rigorosa dieta prescrita pelos médicos, em razão de doenças contraídas quando cortava seringa no meio da floresta. Aos seis anos, ela teve o sangue contaminado por mercúrio. Contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose.
A fome de conhecimentos é a terceira fome de Marina. Não havia escolas no seringal. Ela adquiriu os saberes da floresta através da experiência e do mundo mágico da oralidade.

Quando contraiu hepatite, aos 16 anos, foi para a cidade em busca de tratamento médico e aí mitigou o apetite por novos saberes nas aulas do Mobral e no curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever. Fez os supletivos de 1º e 2º graus e depois o vestibular para o Curso de História da Universidade Federal do Acre, trabalhando como empregada doméstica, lavando roupa, cozinhando, faxinando.

Fome e sede de justiça: essa é sua quarta fome. Para saciá-la, militou nas Comunidades Eclesiais de Base, na associação de moradores de seu bairro, no movimento estudantil e sindical. Junto com Chico Mendes, fundou a CUT no Acre e depois ajudou a construir o PT.

Exerceu dois mandatos de vereadora em Rio Branco, quando devolveu o dinheiro das mordomias legais, mas escandalosas, forçando os demais vereadores a fazerem o mesmo. Elegeu-se deputada estadual e depois senadora, também por dois mandatos, defendendo os índios, os trabalhadores rurais e os povos da floresta.

Quem viveu da floresta, não quer que a floresta morra. A cidadania ambiental faz parte da sua quinta fome. Ministra do Meio Ambiente, ela criou o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo de Desenvolvimento para gerir as florestas e estimular o manejo florestal. Combateu, através do Ibama, as atividades predatórias. Reduziu, em três anos, o desmatamento da Amazônia de 57%, com a apreensão de um milhão de metros cúbicos de madeira, prisão de mais 700 criminosos ambientais, desmonte de mais de 1,5 mil empresas ilegais e inibição de 37 mil propriedades de grilagem.

*Tudo vira bosta*

Esse é o retrato das fomes de Marina da Silva que -na voz de Rita Lee- a descredencia para o exercício da presidência da República porque, no frigir dos ovos, “o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta”.

Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música – ‘Se Manca’ – dizendo a ela: “Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca”.

Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas – ‘Você vem’ – ela faz autocrítica antecipada, confessando: “Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem….e faz piada”. Como ela é mutante, esperamos que faça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando: “Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você”.

A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, “ela tem cara de professora de matemática e mete medo”. Ah, Rita Lee conseguiu o milagre de tornar a ministra Dilma menos antipática! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, em Manaus, com a professora Mercedes Ponce de Leão, tão fofinha, ou com a nega Nathércia Menezes, tão altaneira.

Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos. Serra, todos nós sabemos, tem cara de vampiro. Sobra quem?

Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney, untuoso, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz e de cuecões multi-bolsos? Como diriam os franceses, “il péte de santé”. O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil.

Rita Lee não se enganou: Marina tem a cara de fome do Brasil, mas isso não é motivo para deixar de votar nela, porque essa é também a cara da resistência, da luta da inteligência contra a brutalidade, do milagre da sobrevivência, o que lhe dá autoridade e a credencia para o exercício de liderança em nosso país.

Marina Silva, a cara da fome? Esse é um argumento convincente para votar nela. Se eu tinha alguma dúvida, Rita Lee me convenceu definitivamente.

P.S.: Uma leitora cricri, mas competente, que está fazendo doutorado em São Paulo (e a tese, quando é que sai?) me lembra que a FAPEAM e a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Amazonas constituem o lado sério da atual política estadual, responsável, em 2007, pela primeira lei de mudanças climáticas no Brasil.

*♦ O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)*


quinta-feira, 19 de agosto de 2010



=/

Outro dia lembrei dessa cena e resolvi compartilhar...



Esse Rocky Balboa parece que sabe das coisas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Esdras 10:4...



=]

"Levanta-te, pois, porque te pertence este negócio, e nós seremos contigo; esforça-te, e age."

A alguns anos atrás, fui convidado para dar uma palavra em uma pequena igreja batista de Ipatinga, cidade esta que fica a uns 250 kms de BH e onde passei muitos anos de minha vida; lugar quente que até faz a pele doer.
Não tinha ido ainda para seminário, não conhecia nada de teologia, era um cara que apenas lecionava para um classe de adolescentes, com uns 20 e poucos anos de idade; cheio de idealismo, cheio de sonhos, cheio de vontades...
E nesta "pregação", falei algo acerca de Esdras 10:4... Coisa simples, nada rebuscado, e até digno de se pedir perdão aos ouvintes daquele sábado.

Pq me lembrei disto hoje???
Pq após aquele dia, muita coisa aconteceu em minha vida... Seminário teológico, especialização em Grego pela UFMG, livros e mais livros, sarais teológicos, liberalismo, academicismo e o pior... o ceticismo.
Me tornei alguém que conhecia demais a palavra, mas tinha perdido o foco na "Palavra". Me tornei uma folha cheia de anotações e teorias, porém seca como toda folha de papel é e deve ser.

Porém, ontem, após uma demorada conversa por telefone com uma pessoa "mais que importante" para mim,  ouvi o que já tinha ouvido algumas vezes, da parte de minha mãe e tb minha irmã, onde parei e pensei...
Pensei no que sou hoje, e o que já fui outrora... Pensei assim pq normalmente devemos caminhar para frente em nossa jornada pela vida, porém vi claramente que não é exatamente assim que estou caminhando. Meus passos hoje parecem mais o "passo do caranguejo". Aceitei o prato de lentilhas... Troquei o "mais" importante pelo que simplesmente importava para mim mesmo; me viciei em minha altivez e em outras "cozitas mas" e tenho andado circulando meu próprio umbigo.

E hoje, mesmo sendo um dia daqueles bem corridos, refleti sobre o que é "μετάνοια"... Metanoia.
Esta palavrinha estranha significa arrependimento, conversão (tanto espiritual, bem como intelectual), mudança de direção e mudança de mente; mudança de atitudes, temperamentos; caráter trabalhado e evoluído. Coisas impossíveis ao homem comum...

Mas o que tudo isto tem haver com a historinha da pregação em Ipatinga??? Tudo!!!
Era um tempo onde eu tinha problemas, mas tb sabia o que era confiar em Deus de forma prática; onde existiam lutas, mas tb a certeza da vitória; onde a coisa mais seca que me acompanhava era meu cabelo ruim, que nunca nenhum condicionador conseguiu dar jeito.

Mudanças são difíceis, eu sei... Requer sacrifícios, humildade, força de vontade, dentre muitas outras coisas... Eu mesmo sei o que passei quando decidi que deveria perder peso...
Foram quase 30 kg... Eu cheguei a ter um dia 113 quilos de pura banha e glicose astronômica... Hoje, com auge de meus 85 kg, não tenho um "corpinho de sereia", mas graças a Deus, não sou mais o "rostinho de Kinder Ovo" que já fui um dia.
Mudanças podem sim acontecer. Eu sei disto pq muitas delas estão já acontecendo comigo, pela graça de Deus e não apenas por meu esforço pessoal. Mas ainda sei que estou longe do que posso ser e, principalmente do que Deus sonha pra mim...
Quero sim, hoje, reorganizar minha vida... Cuidar mais de mim e me extressar menos com meu trabalho maluco; ser uma pessoa carinhosa e menos grossa com as pessoas que amo; confiar menos nas pessoas e mais em Deus; abrir mão de muitos dos meus "pecados de estimação"; reconhecer que o Cristo não é apenas aquele que conheci pelos livros e manuais de teologia sistemática, mas Aquele que um dia fez diferença em minha vida, Aquele que muito antes da hermenêutica, da exegese, das análises lexográficas, falava comigo e me direcionava acerca de minha vida e conduta. Aquele que me mostrou em Esdras 10:4 que:
  • Levanta-te:  Significa mudar de atitude, sair da posição conformista e buscar algo mais;
  • Pois: Após a descisão de se mudar de postura, coisas certamente aconteceram em nossas vidas;
  • Porque te pertence este negócio: Esta atitude cabe a cada um, é uma descisão pessoal;
  • E nós seremos contigo: A certeza de que tomando descisões certas, Deus estará conosco, pois ele é indiscutivelmente o maior interessado em que mudemos e caminhemos com Ele, servindo verdadeiramente aos seus propósitos e divulgando, com nossas atitudes e não apenas com nosso bla bla bla a sua presença e poder transformador;
  • Esforça-te: Não existe nas escrituras nenhum lugar onde fale que o cristão terá uma vida fácil e sem dificuldades, mas existem inúmeras promessas de vitórias diante destas dificuldades e a certeza de que mesmo no vale da sombra da morte, Ele estará conosco;
  • E age: Fazer, lutar, correr atrás... Mas com a certeza que não é simplesmente por meu esforço e sofrimento, mas pela maravilhosa Graça, imerecida, irresistivel, maravilhosa e suficiente... Lutar sim, mas dependendo d'Ele... Pq d'Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas...

Palavras simples... Mas que me incomodaram o dia todo.
O "arroz com feijão"... Mas que faz a diferença.
Sei que ficarei nervoso diante de ter aberto mão de vícios, mas conto com Ele para me dar calma...
Sei que vou esquecer do meu "devocional diário", pois não é algo que faço com frequência mais...
Sei que posso ter recaidas e que o processo é longo e diário, mas Ele está comigo...
Sei que posso todas as coisas naqu'Ele que me fortalece.
Sei que quase ninguém lê estas coisas que escrevo aqui, e até por isto tenho coragem de dizer muitas delas, mas se por ventura alguém ler, saiba que sou um cara normal, cheio de defeitos e que preciso não apenas das orações e de "ombros amigos"... Mas sim, preciso muito de conhecer mais à Deus, ter mais proximidade com Ele, e assim reconhecer minha dependência e necessidade d"ele em minha vida.

Cansei, cansei mesmo de perder tudo que amo por ser diferente do que Ele tem para mim.
Cansei de tentar fazer tudo na força do meu braço.
Cansei de confiar em todo mundo, achar que o mundo é legal e as pessoas boas...
...Hoje quero descansar em Deus.




Inté™

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Meu jeito de teologar
Ricardo Gondim



Teologia é linguagem sobre Deus. Com teologia procuramos juntar os cordões que podem dar sentido à nossa existência. Ansiamos por achar a nós mesmos enquanto arfamos pelo Divino. Rubem Alves acertou quando disse que a teologia não pode ser malha que prende o Mistério, mas é rede onde nos deitamos. Teologia é linguagem precária. Nela peregrinos se aconchegam e encontram ânimo na busca por Deus.

Como pastor de uma comunidade pujante, que reúne quase três mil pessoas por domingo, sei que em todos os sermões, de alguma forma, faço teologia. Adolescentes irrequietos, universitários idealistas, pequenos e médios empresários, funcionários públicos e idosos sábios chegam com muitas perguntas. Diante de suas aflições, vaidade, arrogância e cinismo perdem força.

Domingo, molhei a camisa com as lágrimas de uma mãe que havia enterrado o filho que se suicidara menos de um mês antes. Meu abraço, mesmo sem palavra alguma, era uma resposta calada diante de sua dor. Ali, eu articulava teologia em silêncio. Na impotência de não ter o que dizer naquela situação, simultaneamente comum e brutal, notei que o encadeamento da lógica religiosa carece da delicadeza de um violino.
Naquele rápido momento, vi que não havia como padronizar uma resposta. A gente só percebe o vício do lugar-comum, do clichê, do jargão, quando se vê diante de alguém destroçado pela tragédia.

Nesses confrontos inesperados com a dor, aprendemos a respeitar os dramas que nos rodeiam. Ficamos diante da insuficiência da linguagem. Foi desses encontros trágicos que mudei e mudei muito. Agora, quero teologar com menos altivez.

Quero falar de Deus sem exigências messiânicas; desprovido da presunção de lídimo defensor da sã doutrina. Desejo tão somente oferecer o ombro e abrir mão de minhas muitas explicações. Se no passado confundi entusiasmo com afobação, zelo com intolerância, arrojo com precipitação, hoje tento um pisar mais simples diante de Deus e dos homens.

Quero falar de Deus com mansidão. Sem reputação a defender, desisto do fascínio do sucesso, de angariar plateias, de inebriar-me com aplausos. Quero encarnar o significado mais profundo de “estar crucificado com Cristo”. Depois de tantos anos, ainda não me vesti da mesma atitude do meu Senhor, que se esvaziou para servir.

Quero falar sobre bondade, essa rara e nobre virtude que transcende nossas ações para nos integrar ao agir de Deus. Preciso ser bondoso comigo mesmo, não deixando que falsas culpas detonem processos internos de intransigência com o próximo; ser paciente com as inadequações dos que claudicam e doar-me como São Francisco de Assis: “Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado; compreender que ser compreendido, amar que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se nasce para a vida eterna”.

Quero pregar mais sobre o Deus comensal, que nos convida ao banquete como pretexto para a intimidade. Quero fomentar uma espiritualidade de cozinha e não dos academicismos gelados. Desejo aprender lealdade na camaradagem da conversa solta; e no riso farto experimentar a alegria do reino de Deus.

Quero falar sobre os benefícios do sábado, não do sábado legalista, cravado no calendário, mas daquele que diz “basta” diante dos reclames da riqueza. Quero que a existência não se resuma ao trabalho; despertar para a urgência de eternizar cada encontro. Recordo-me de ter lido um verso sucinto: “A vida é curta, e acaba...”. Não levaremos daqui outra coisa senão as nossas memórias, portanto, que elas sejam doces.

Quero falar sobre Deus, sem esquecer o chão da fábrica, o quintal da casa, o pátio do colégio, a coxia do teatro, o corredor do hospital e a encosta da favela. De nada me adiantará “falar em tese”, se não conseguir encarar os Josés, as Tânias, os Rodrigos e as Kátias, que lutam bravamente para dar sentido à vida. Vejo a necessidade crescente de conversar com pessoas cujos nomes foram escritos não apenas no Livro da Vida, mas na palma da mão de Deus. Não quero que discursos substituam a força do abraço. Os amigos de Jó tropeçaram nos cadarços porque se imaginaram aptos para oferecer consolo com juízos horrorosos.

Quero falar do céu sem desgrudar-me do mundo e mostrar que a vida abundante prometida por Jesus não merece ser empurrada para depois da morte. Repetirei as palavras de Paulo: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou”. Vou enfatizar que a verdadeira religião consiste em cuidar do órfão e da viúva. E não esquecerei: toda a lei se resume em amar a Deus e ao próximo como a mim mesmo.

Se conseguir teologar assim, com a ternura dos poetas e a paixão dos profetas, completarei a minha carreira, tendo guardado a fé.



Soli Deo Gloria
02-08-10